Teoria dos Lados





"Todo lado tem seu lado
Eu sou o meu próprio lado
E posso viver ao lado
Do seu lado, que era meu."


(Ziraldo. In: O Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1980, pp. 84-87)





Duas Rodas

*por Douglas Beltrão




Arnaldo era um cara legal. Inteligente, bem humorado, 3 tatuagens, 2 brincos, tocava violão, sotaque arrastado e apreciador de uma boa cerveja. Pela primeira vez em 4 anos, o filho de Dona Rosemery e do Seu João Alberto acordou naquela Quarta-Feira realmente feliz. Feliz pra caralho. Saiu da cama, tomou seu banho, comeu seu cereal com leite, pegou sua mochila, entrou no seu carro adaptado para cadeirantes e dirigiu até o escritório. De tão eufórico que estava, esqueceu de trancar o portão de casa.

No caminho, lembrou pela milionésima vez da noite na qual um bêbado dirigindo um Fiat 147 tentou parar sua lata velha sobre as pernas de Arnaldo à 74km/h. Ao contrário do que possam imaginar o Grande Arnold parou sim o carro. Não quebrou nenhuma perna, nenhum braço, nenhuma costela, porém, esfarelou 4 vértebras. Ele sempre era atormentado por isso, mas hoje nada ia tirar o sorriso daquele rapaz de 27 anos. Afinal, depois de 4 anos de intensivas sessões de fisioterapia, tratamentos alternativos e experimentais, algum "resultado" foi visto. Um resultado incomum, mas ainda assim um resultado.

Como falei acima, Arnaldo era um cara legal mesmo. Nunca se deprimiu com sua nova condição de deficiente e sempre tirou sarro da situação. Costumava dizer que seu único ponto fraco eram as corridas de longa distancia. Só as longas, por que nas de curta ele era imbatível. Assim que pôde, voltou a trabalhar como design gráfico e retomou as aulas de piano. Nem a namorada que o abandonou na época do acidente tirou seu bom humor.

Chegando na empresa, ligou pra todos os ramais pedindo que todo mundo viesse até sua sala pra saber da novidade. Demorou mais ou menos 15 minutos pra que 22 pessoas se aglomerassem. As que não podiam vir logo saberiam do que se tratava a "novidade". Arnaldo esperou todos se acomodarem, respirou fundo, agradeceu ao que displicentemente chamamos de Deus por ainda ter olhos pra assistir seus filmes e ler seus livros, agradeceu pelos seus ouvidos que ainda podem ouvir Beatles todos dias e agradeceu pelo milagre que lhe foi dado nas primeiras horas daquela manhã. Olhou para todos e falou:

- Pessoal, depois de 4 anos sem poder me levantar desta cadeira, de não conseguir mexer um único dedo do pé, depois de ver minhas pernas atrofiarem pelo desuso...depois de tudo, hoje um grande passo foi dado. Hoje eu me sinto muito mais próximo da recuperação. Pessoal, hoje eu tive minha primeira ereção em 4 anos.